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domingo, 12 de junho de 2016

Veículos elétricos: história e perspectivas no Brasil*

Vistos por muitos como um grande avanço tecnológico, os automóveis

híbridos e elétricos não são novidade no mercado. Já foram fortes

concorrentes dos automóveis convencionais, mas, por razões que serão

explicadas a seguir, foram preteridos e tiveram desde os anos 1930

participação marginal na história do automóvel. No entanto, desde o

lançamento do Toyota Prius, em 1997, o mercado norte-americano tem

assistido a um grande número de lançamentos de automóveis híbridos e,

mais recentemente, de veículos puramente elétricos. Esse fato pode ser

atribuído em grande parte ao incentivo do governo americano aos fabricantes

e consumidores de veículos híbridos e elétricos.


Os Estados Unidos e a economia do petróleo

Os Estados Unidos (EUA) são os maiores consumidores de petróleo e

derivados no mundo. Seu consumo supera 20 milhões de barris por dia,

o que equivale a 21,7% do consumo mundial de petróleo


O estilo de vida norte-americano é fortemente dependente do petróleo.

Em particular, no setor de transportes 95% da energia consumida é oriunda

do petróleo [EIA DOE ( 2009)]. Por essa razão, a grande dependência

externa no fornecimento desse energético é considerada questão de importância

estratégica para o país.

De fato, cerca de 33% do petróleo consumido nos EUA é produzido

internamente, enquanto a maior parte é importada de nações politicamente

instáveis (Gráfi cos 2 e 3). Em 2007, os EUA consumiram mais de

75 bilhões de barris de petróleo, ao custo de US$ 550 bilhões. O petróleo

importado respondeu por 60% do total consumido, ao custo de US$ 300


bilhões, o que equivale a 40% do valor do défi cit na balança comercial

americana naquele ano [Energy Security Leadership Council (2008)].

A dependência de fontes externas para o abastecimento interno de 211



petróleo representa um alto preço para a economia americana. A vulnerabilidade

do transporte internacional de petróleo e de sua infraestrutura

levou os EUA a manter forças militares posicionadas em pontos estratégicos

do planeta, a fi m de garantir a segurança em instalações e em rotas

de transporte de petróleo. De acordo com Crane et al. (2009), estima-se que



os custos de manutenção de tropas no Golfo Pérsico variem de US$ 67,5 bilhões

a US$ 83 bilhões anuais, que somados aos US$ 8 bilhões gastos em

operações militares anualmente, equivalem de 12% a 15% do orçamento

destinado à defesa [Electrifi cation Coalition (2009)].

A gasolina é o derivado de petróleo mais consumido pelo setor de

transporte nos EUA, compreendendo 64% da energia consumida pelo

segmento. Esse setor é responsável por 68% do total de petróleo consumido

internamente, ou 13,7 x 103 de barris por dia [EIA DOE (2009)]. Em 2007,

havia nos EUA 248 milhões de veículos, ou 0,825 veículo

per capita


Como uma das respostas à forte dependência do petróleo importado,

desde 2007, o governo americano vem estimulando a produção de automóveis

híbridos e o desenvolvimento de automóveis com tecnologia Plug-in Hybrid

Electric Vehicle (PHEV).1 Bem recebidos no mercado desde o lançamento



do Prius, em 1997, os híbridos são vistos pela população como um avanço

tecnológico capaz de reduzir a poluição atmosférica e a forte dependência

do petróleo.

No entanto, automóveis híbridos e elétricos não são uma tecnologia

recente. No início da história do automóvel, eles dominaram parcelas

signifi cativas do mercado, mas acabaram perdendo espaço para


o

veículo convencional.

Veículos elétricos: uma breve história

A seguir apresentamos brevemente os principais momentos da história

do carro elétrico no mundo.

O início: século XIX


A história dos carros elétricos começa em meados do século XIX.

De acordo com Hoyer (2008), ela está intimamente relacionada à história

das baterias. Em 1859, o belga Gaston Planté realizou a demonstração da

primeira bateria de chumbo e ácido. Esse equipamento veio a ser utilizado

por diversos veículos elétricos desenvolvidos a partir do início

da década de 1880 na França, EUA e Reino Unido. Em 1885, Benz

demonstrou o primeiro motor de combustão interna. Em 1901, Thomas

Edison, interessado no potencial dos veículos elétricos, desenvolveu a

bateria níquel-ferro, com capacidade de armazenamento 40% maior que

a bateria de chumbo, só que com custo de produção muito mais elevado.

As baterias níquel-zinco e zinco-ar foram também criadas no fi nal do

século XIX.

Além das baterias, duas tecnologias desenvolvidas entre 1890 e 1900

contribuiram para melhorar o desempenho dos carros elétricos: a frenagem

regenerativa, um equipamento capaz de transformar a energia cinética do


automóvel em movimento em energia elétrica durante uma frenagem e o 213



sistema híbrido a gasolina e eletricidade.

Na virada do século XIX, três tecnologias de propulsão concorriam no

mercado de automóveis: o carro elétrico, a vapor e a gasolina.

Ascensão e queda: século XX


Em 1903, havia cerca de quatro mil automóveis registrados na cidade

de Nova York, sendo 53% a vapor, 27% a gasolina e 20% elétricos.

Em 1912, quando a frota de carros elétricos naquela cidade atingiu o ápice

de 30 mil unidades, a quantidade de automóveis a gasolina já era trinta

vezes maior [Struben e Sterman (2006)]. A partir de então, a trajetória

dos carros elétricos seguiu em forte queda. Entre os principais fatores

apontados para o declínio dos carros elétricos a partir de então, podem-se

citar [DOE (2009)]:

• O sistema de produção em série de automóveis, desenvolvido por

Henry Ford, permitiu que o preço fi nal dos carros a gasolina fi casse

entre US$ 500 e US$ 1.000, o que correspondia à metade do preço

pago pelos elétricos.

• Em 1912 foi inventada a partida elétrica, que eliminou a manivela

utilizada para acionar o motor dos veículos a gasolina.

• Nos anos 1920, as rodovias dos EUA já interligavam diversas cidades,

o que demandava veículos capazes de percorrer longas distâncias.

• As descobertas de petróleo no Texas reduziram o preço da gasolina,

tornando-a um combustível atrativo para o setor de transportes.

O objetivo dos primeiros automóveis híbridos era o de compensar a

baixa efi ciência das baterias utilizadas nos veículos puramente elétricos e

a falta de estrutura de distribuição de energia elétrica no início do século

XX. De acordo com Hoyer (2008), há registro da produção, já em 1903,

de um automóvel que apresentava as características de um híbrido em

série, graças a um gerador elétrico, alimentado por um pequeno motor

de combustão interna, e dois pequenos motores elétricos, que forneciam

tração às rodas dianteiras. Outro modelo, produzido entre 1901 e 1906,

podia ser caracterizado como um híbrido em paralelo: o motor de combustão

interna era utilizado tanto para fornecer tração às rodas quanto

para carregar uma bateria, enquanto o motor elétrico fornecia potência

extra ao motor de combustão ou funcionava sozinho, quando em trânsito

lento. Até os anos 1920, em países como os EUA, França e Canadá, havia

diversos modelos de híbridos à disposição no mercado.

No início da história do automóvel, poucas pessoas aventuravam-se

pelas estradas do interior, onde não havia infraestrutura elétrica nem gasolina

disponíveis. Contudo, a maior performance do motor a combustão



interna, em termos de km/litro de combustível, e a facilidade de distribuição

de combustíveis líquidos, que eram comercializados em pequenos

estabelecimentos comerciais, permitiram que a rede de distribuição de

gasolina se expandisse rapidamente. Além do mais, a manutenção dos

primeiros automóveis a gasolina, dada sua simplicidade, era realizada por

profi ssionais especializados em conserto e manutenção de bicicletas. Por outro

lado, poucos eram os mecânicos que compreendiam o funcionamento dos

motores elétricos e das baterias que equipavam os automóveis elétricos

e híbridos. A propaganda boca a boca teve também, naquela época, um

papel importante na difusão do uso dos automóveis a combustão interna.

A partir dos anos 1930, os veículos elétricos passaram a ser produzidos

em escala cada vez menor, sendo utilizados em algumas cidades dos EUA

e Reino Unido, basicamente, para coleta de lixo, serviço de entregas e para

distribuição de leite. Foram observados alguns picos de produção nesses

dois países durante a primeira e a segunda guerras mundiais, quando o

racionamento de gasolina e diesel forçou a busca por fontes de energia

alternativas ao petróleo. No Japão do pós-guerra, o carro elétrico tornou-se

também bastante popular, por causa do racionamento de combustíveis,

mas sua produção foi descontinuada na década de 1950 quando o racionamento

cessou.

A reabilitação


Somente após a década de 1960, quando a opinião pública começou a

se voltar para os problemas ambientais, os automóveis elétricos2 voltaram



a atrair a atenção das grandes montadoras. Naquela época, o chumbo ainda

era utilizado como aditivo para a gasolina, não havia fi ltros nem catalizadores

para conter as emissões e o automóvel era considerado uma das

principais fontes da poluição atmosférica nas grandes cidades

v
A partir dos anos 1970, a questão ambiental passou a fazer parte do 215



debate sobre a geração e o consumo de energia. Três fatos apontaram a

necessidade de se desenvolverem alternativas tecnológicas renováveis

para a produção de energia.

• Em 1972, o Clube de Roma publicou o livro Limites para o Crescimento,



que chamou a atenção para a necessidade de um limite

para a exploração de recursos naturais não renováveis.

• A crise do petróleo, em 1973, causada pelo embargo de produtores

de petróleo, teve como consequência ondas de racionamento em

diversos países.

• A conscientização a respeito do uso da energia nuclear, tais como

a segurança operacional e o destino dos dejetos radioativos.

Apesar de os anos 1970 terem sido uma época propícia para os veículos

elétricos, já que esses combinavam emissão nula de poluentes com

a possibilidade de utilizar fontes de energias renováveis, os protótipos

desenvolvidos na época não chegaram às linhas de produção. Houve diversas

iniciativas de trazê-los de volta ao mercado no período, mas nem

os automóveis elétricos puros nem os híbridos estavam aptos a competir

no mercado com os automóveis convencionais.

Somente no fi m dos anos 1980 as atenções voltaram-se mais uma vez

para os veículos elétricos, novamente no intuito de reduzir a poluição nas

grandes cidades. O conceito de desenvolvimento sustentável ganhava força,

e o foco se concentrava na necessidade de utilização de fonte de energia

alternativa e no desenvolvimento de novas tecnologias de transportes.

Em 1990, o estado da Califórnia implementou suas primeiras normas regulatórias

alternativa e no desenvolvimento de novas tecnologias de transportes.

Em 1990, o estado da Califórnia implementou suas primeiras normas regulatórias

de emissão zero. Em 1992, a Agenda 213 enfatizou a importância



dos problemas causados pelo uso extensivo de energia fóssil, bem como a

necessidade de redução do consumo de energia nos países desenvolvidos

e de busca de uma possível transição para fontes renováveis de energia.

Ainda no ano de 1992, a União Europeia defi niu uma política de transportes

por meio da expressão “uma estratégia para a mobilidade sustentável

Nesse contexto, a utilização dos carros elétricos era vista como uma das

condições mais importantes para a sustentabilidade proposta.

No início dos anos 1990, os legisladores da Califórnia, nos EUA,

decidiram que as montadoras de automóveis daquele estado deveriam

oferecer veículos elétricos aos consumidores [Sovacool e Hirsh (2008)].

A California Air Resources Board – Carb, órgão do governo responsável

por monitorar a qualidade do ar no estado da Califórnia, defi niu uma cota

de vendas de veículos com emissão zero ou, em inglês, zero-emmissionn-

-vehicle (ZEV), de 2% em 1998, 5% em 2001 e 10% em 2003. Os estados



de Nova York e Massachusetts adotaram medidas semelhantes em seguida.

De acordo com a legislação da Califórnia, cada montadora receberia um

bônus de US$ 5 mil para cada ZEV vendido dentro da cota. A General

Motors e a Honda iniciaram então o desenvolvimento de veículos elétricos

que fossem comercialmente viáveis.

Entretanto, eram muitas as forças contrárias à iniciativa da Carb.

Outras montadoras e a American Automobil Manufacturers Association

(AAMA) alegavam que o veículo elétrico sairia caro demais para os

consumidores e que o chumbo, presente nas baterias, não traria benefícios

ambientais à substituição da gasolina. Por sua vez, as grandes

companhias de petróleo, como Exxon, Shell e Texaco, contribuíam

fi nanceiramente para campanhas de políticos contrários aos veículos

elétricos e fi nanciavam propagandas contrárias a esse tipo de veículo.

Como resultado, em 1996 a Carb capitulou e postergou seu cronograma

v


Ainda nos anos 1990, foi protagonizada uma nova tentativa de introduzir

os automóveis híbridos, dessa vez, por meio de parcerias público-privadas.

O governo Clinton anunciou, em 1993, uma iniciativa denominada

Partnership for a New Generation Vehicles (PNGV), com o objetivo de

desenvolver um automóvel “limpo”, com consumo de 4 litros/100 km.

Após alguns anos e investimentos da ordem de US$ 1 bilhão, três protótipos

foram anunciados: todos eram híbridos, mas nenhum chegou às

linhas de produção.

Em 1997, a Toyota, fabricante japonesa de automóveis que não estava

incluída no PNGV, lançou no mercado japonês o Prius, um sedã híbrido de

quatro portas. No mesmo ano, a Audi lançou o Duo, o primeiro híbrido

do mercado europeu, que se revelou um fracasso. Na época, diversas

montadoras europeias dedicavam-se ao desenvolvimento de automóveis 217



a diesel, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

A Honda, em 1999, foi a primeira empresa a lançar um híbrido no

mercado americano, o Insight, que foi um sucesso imediato. Em 2000,

o Prius também chegou ao mercado dos EUA, obtendo um sucesso muito

maior que o esperado pela Toyota, efeito que se repetiu mais tarde no mercado

europeu. Em 2003, a Honda lançou o Civic híbrido, com a mesma

aparência e dirigibilidade do Civic convencional. Em 2004, a Ford lançou

o Escape, um veículo utilitário esportivo, em versão híbrida.

Com os objetivos, entre outros, de reduzir a dependência da economia

dos EUA em relação ao petróleo importado e de aumentar a produção de

combustíveis limpos de origem renovável, o governo norte-americano

promulgou em 2007 o Energy Independence and Security Act, que destinou

US$ 95 milhões anuais, entre os anos de 2008 e 2013, à pesquisa e

ao desenvolvimento de um sistema de transporte elétrico, e à formação

de capital humano especializado em veículos elétricos e na tecnologia

PHEV. Além disso, US$ 25 bilhões foram destinados aos fabricantes

de automóveis e fornecedores que produzirem veículos híbridos e seus

componentes até o ano de 2020.

Em 2009, as vendas de híbridos no mundo atingiram 598.739 unidades

[HybridCars.com (2010)], sendo 44% nos EUA, 41% no Japão e o restante

na Holanda, Reino Unido e Canadá. Nos EUA, os maiores mercados se

encontram em Los Angeles, Nova York, São Francisco, Washington (D.C.)

e Chicago. As vendas de híbridos nos EUA em 2008 representaram pouco

mais que 4% do mercado norte-americano, totalizando 279.847 unidades

[HybridCars.com (2010) e U.S. Department of Transportation (2010)].

O Toyota Prius pode ser considerado um fenômeno de vendas, pois

domina atualmente quase 50% do mercado de híbridos, concorrendo

com cerca de 20 modelos de automóveis híbridos à venda nos EUA.

O grau de satisfação entre os proprietários do Prius é altíssimo. De

acordo com pesquisas realizadas, 88% dos proprietários estão muito satisfeitos

com o automóvel e 12% estão de alguma forma satisfeitos. O sucesso

do Prius se deve em grande parte ao seu design distintivo, à sua popularidade



entre celebridades da mídia norte-americana e à propaganda


boca a boca realizada entre proprietários e pessoas interessadas em

adquirí-los [Klein (2008)].

Em julho de 2009, foi promulgado nos EUA o American Clean Energy

and Security Act 2009. Essa lei instituiu que a Secretaria de Energia,



as agências reguladoras estaduais e todas as distribuidoras de energia não

reguladas deveriam apresentar planos para o desenvolvimento de redes inteligentes

(smart grids)4 integradas, com suporte à tecnologia PHEV até julho



de 2012. Adicionalmente, defi niu um teto de US$ 50 bilhões, até 2020,

para assistência fi nanceira às montadoras e produtores de autopeças que

se dedicassem ao desenvolvimento de híbridos.

Com essa lei, o governo Obama5 tinha como objetivos principais



criar empregos “verdes”, reduzir a dependência do petróleo, amenizar as

emissões de gases de efeito estufa e buscar a transição para uma economia

baseada em energia limpa. Indiretamente, o incentivo fi nanceiro à inovação

tecnológica teria o propósito de ajudar a salvar a indústria automobilística

americana durante a crise mais grave de sua história.

Uma opção


para o Brasil

É possível afi rmar que o crescimento, ao longo do tempo, da frota

de automóveis em um país está diretamente relacionado ao seu nível de

desenvolvimento econômico. Dargay et al. (2007) mostram que o padrão



de crescimento ocorrido entre 1960 e 2002 em países como EUA,

Alemanha e Japão, também pode ser observado em China, Índia, Brasil

e Coreia do Sul. A relação entre o tamanho da frota nacional e o nível

de desenvolvimento, medido pelo PIB dos países, apresenta uma curva

em S, indicando que:

a) a frota nacional cresce lentamente quando o país se encontra em

níveis relativamente baixos de desenvolvimento;

b) o crescimento da frota se acelera na medida em que a renda nacional

aumenta; e
c) a frota atinge um nível de saturação quando o país chega a graus 219



mais elevados de desenvolvimento


De acordo com uma projeção para o Brasil [Dargay et al.(2007)],

considerando a renda per capita de US$ 15.900 e uma população de



222 milhões de habitantes, em 2030, a frota nacional seria a quinta

maior do mundo, atingindo 83,7 milhões de automóveis, e fi cando atrás

apenas de China (390 milhões), EUA (314 milhões), Índia (156 milhões)

e Japão (86,6 milhões). Isso representaria um crescimento da ordem de

127% em 20 anos, uma vez que a frota atual é de cerca de 36,9 milhões

de automóveis [Denatran (2010)].

O aumento do número de automóveis no Brasil irá certamente demandar

uma quantidade crescente de energia nos próximos anos, o que torna o

uso da eletricidade no setor de transportes uma interessante alternativa aos

combustíveis utilizados atualmente, tanto sob o ponto de vista estratégico

quanto ambiental.

Pelo lado estratégico, ocorreria maior diversifi cação de fontes energéticas

para o setor de transportes. A eletricidade no Brasil é gerada localmente

e distribuída por um sistema interligado altamente confi ável, com

um custo relativamente baixo, se comparada aos demais combustíveis
 
líquidos. Além disso, o uso do PHEV aliado aos smart grids permite que

os automóveis elétricos funcionem como buffers da rede de distribuição,



carregando suas baterias nas horas de baixa demanda e descarregando-as
nos horários de pico.
Pelo lado ambiental, reforça o uso de energia elétrica, que no Brasil 221



é gerada quase que totalmente a partir de fontes renováveis [em torno de

85%, de acordo com MME (2009)], e reduz o uso do motor de combustão,

uma importante fonte emissora de gases de efeito estufa. Além do mais,

contribui para aumentar a efi ciência energética, já que o motor elétrico

tem efi ciência da ordem de 90%, contra 40% do motor de combustão.
 
Conclusão
 
Automóveis híbridos e elétricos estão longe de ser uma novidade

no mercado. Nos primórdios da indústria automobilística, foram fortes

concorrentes do automóvel convencional, mas perderam a corrida e por

mais de 80 anos foram uma mera nota de rodapé na história do automóvel.

O retorno dos carros híbridos e elétricos nos EUA tem como foco

principal a segurança energética do país, pois permitiria que o petróleo,

em grande parte importado de lugares politicamente instáveis, fosse

substituído pela energia elétrica, totalmente produzida no próprio país.

Se o objetivo tivesse apenas motivação ambiental ou de efi ciência

energética, as medidas propostas não enfatizariam o meio de transporte

individual, em detrimento de transportes coletivos, nos centros urbanos.

As medidas tomadas pelo governo irão, por um lado, estimular a produção

e o consumo de mais automóveis, e por outro, aumentar o consumo

de energia elétrica, que nos EUA é gerada em sua maior parte a partir de
 
carvão e gás natural, dois combustíveis fósseis muito poluentes.

Evidentemente, além da retórica ambiental empregada para justifi -

car os incentivos aos veículos elétricos, existe também o interesse em

promover a renovação da indústria automobilística, de modo a torná-la

de novo a líder mundial desse segmento. De fato, a ajuda do governo

norte-americano à General Motors (e ao seu veículo elétrico, o Volt) foi

justifi cada nesses termos.

Carros híbridos, como o Volt da GM, vêm tendo boa aceitação no mercado,

e podem servir como uma “ponte” entre a gasolina e a eletricidade

como fonte de energia no setor de transportes. Ou seja, essa seria uma
 
“tecnologia de transição”, que abriria o caminho para um produto totalmente

distinto daquele hegemônico no mercado. É importante observar,

no entanto que, em virtude do tamanho da frota e do nível de saturação

do mercado norte-americano de automóveis, serão necessárias décadas

para que a mudança traga resultados signifi cativos na balança energética

norte-americana.

No Brasil, o carro elétrico pode tornar-se uma alternativa importante,

caso se adote, no curto prazo, uma política de incentivo à sua utilização.

Dado o nível de desenvolvimento da nossa frota, ainda em estágio inicial, o

uso do carro elétrico em larga escala, em detrimento do carro convencional,

traria benefícios estratégicos e ambientais efetivos no longo prazo. Há de se

convir, no entanto, que o transporte individual não é uma forma tão efi caz

de utilização de recursos quanto o transporte coletivo, principalmente no

caso do Brasil, considerando-se o atual nível de desenvolvimento do país.

É importante notar que, mesmo nos casos em que a eletricidade é gerada

a partir de combustíveis fósseis, como o carvão e o gás natural, o carro

elétrico traz a vantagem de concentrar as emissões nas fontes geradoras

de energia, que são passíveis de serem reguladas, e não nos pontos de

consumo, que são numerosos, dispersos e de difícil controle. Por outro

lado, um importante risco ambiental do carro elétrico está associado à

bateria, que deve ser reciclada ao fi nal de sua vida útil.

Além do mais, a história tem mostrado que não são poucas as força
 
contrárias à ideia do carro elétrico. Há barreiras institucionais e políticas,

além das mercadológicas, a serem vencidas para que o carro elétrico se

consolide no mercado. No entanto, o imperativo da exaustão dos recursos

fósseis e as questões ambientais deixam os veículos elétricos em posição

ímpar para se tornarem realidade.
 
 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Eletrônica automotiva - 1 (Revisando Conceitos Básicos de Eletricidade)

Para entender o funcionamento do automóvel moderno não basta o conhecimento da mecânica. É preciso conhe­cer eletricidade básica e a partir dela os fundamentos da eletrônica. São justamente estes fundamentos que dare­mos a partir de agora no nosso curso, iniciando pela revi­são dos conceitos básicos de eletricidade. 

Circuito elétrico, corrente, tensão e resistência
Uma corrente elétrica consiste num fluxo de cargas que circula através de um fio condutor. Estas cargas são os elétrons que encontram liberdade de movimento em ma­teriais como os metais, conforme mostra a figura 1. Estes materiais são denominados condutores de corrente elétri­ca.
 
Num condutor metálico a corrente elétrica consiste num fluxo de elétrons.
 
Para que as cargas se movimentem através de um mate­rial é preciso que uma força externa as empurre. Nos de­paramos então com dois conceitos muito importantes da eletricidade:
- A força externa que empurra as cargas que funciona como a pressão de um cano de água. Esta força é denomi­nada tensão elétrica e é medida em volts (V).
 
 A própria corrente que consiste no fluxo de cargas, ou seja, na quantidade de elétrons que passam pelo condutor. A corrente é medida em amperes (A).


Assim, para termos uma corrente (fluxo de elétrons) precisamos aplicar num condutor uma tensão que empur­re os elétrons. A tensão é a causa e a corrente é o efeito, conforme mostra a figura 2.


(figura 2)    

No entanto, os condutores não são perfeitos. Os elé­trons que formam uma corrente encontram uma certa difi­culdade para passar através dos fios. Essa dificuldade é denominada resistência e é constante. A resistência de um fio é medida em ohms (.).    Se aplicarmos a um condutor, que apresenta uma certa resistência, uma tensão, a corrente vai ser determinada pela resistência desse condutor. A resistência limita por­tanto a intensidade da corrente num fio. Maior resistên­cia, menor corrente com a mesma tensão. 


Circuito elétrico
Os elétrons não podem ser criados. Uma bateria fornece elétrons para uma lâmpada, mas ela precisa estar constan­temente repondo estes elétrons que saem dela. Assim, só é possível obter uma corrente fazendo circular os elétrons no que denominamos circuito, conforme mostra a figura 3.
 
Para acender uma lâmpada (que denominamos recep­tor de energia), por exemplo, precisamos de uma fonte de energia (que denominamos gerador). No caso do carro, o gerador é a bateria. A quantidade de energia que podemos transferir para a lâmpada não depende apenas da tensão que aplicamos nela, mas também da corrente. 

Essa transferência, conforme mostramos na figura 3, se faz através de um fio que leva a corrente e outro que a traz de volta para que os elétrons possam ser reciclados. Trata-se portanto de um percurso ou circuito fechado, daí o nome "circuito".
Podemos interromper a corrente num circuito colocan­
do um interruptor em qualquer lugar do circuito, confor­me mostra a figura 4.


(figura 4)   
Num automóvel, o retorno ou caminho de volta da cor-rente não precisa ser feito através de um fio. Como o chassi do carro é metálico ele pode ser usado para esta finalidade, sendo por isso denominado ?terra?. O nome vem do fato de que nas instalações de eletricidade domés­tica a terra, que é condutora de eletricidade, é utilizada como retorno. Desta forma, como mostra a figura 5, num carro, o pólo negativo é ligado ao chassi e os fios que alimentam os diversos dispositivos saem do positivo. Em cada dispositivo existe um ?retorno?, que é feito pelo chassi (fio terra).

(figura 5) 

Potência elétrica
A quantidade de energia fornecida a uma lâmpada, por exemplo, depende tanto da tensão como da corrente. Quando ligamos uma lâmpada a uma bateria, a intensida­de da luz que ela produz depende tanto da quantidade de elétrons que passam pelo filamento como da velocidade com que eles fazem isso, ou seja, da força com que eles são empurrados. Definimos então a potência elétrica co­mo uma grandeza diferente da tensão e corrente. A potên­cia é a quantidade de energia por segundo, e é medida em Watts (W). Para calcular a potência, multiplicamos a corrente pela tensão.

Potência (W) = tensão (V) x corrente (A)
 
Veja agora como tudo isso funciona num carro, por exemplo:
Uma lâmpada de 24 Watts ligada em 12 V ao ser ligada "puxa" uma corrente de 2 A pois 24 W = 2 x 12.    
Para termos os mesmos 24 V numa bateria de 6 V, a corrente precisaria ser 4 A. 
Um fio precisa ser tanto mais grosso quanto maior for a intensidade da corrente que ele deve conduzir. Por este motivo é que os fios do motor de partida de um carro têm de ser muito mais grossos do que os fios usados para ali­mentar as lâmpadas. O Consumo do motor de partida exi­ge várias dezenas de amperes ,enquanto que as lâmpadas exigem poucos amperes. Existe portanto vantagem em utilizar tensões maiores nos circuitos, pois os fios podem ser mais grossos. Note que a potência continua ser abso­lutamente a mesma. Uma lâmpada de 24 W para 6 V pro­duz 24 W de luz quando ligada nesta tensão, como uma lâmpada de 24 W produz 24 W de luz quando ligada em 12 V. O que muda é apenas a corrente!
 

(figura 6)
 
No entanto, como a corrente na instalação de 12 V é menor, o fio usado é mais fino. Outra vantagem de se utilizar tensão maior é que as perdas no fio são menores. Conforme vimos, mesmo os fios apresentam uma certa resistência, dificultando a passagem da corrente, o que faz com que ocorram perdas. Com tensões maiores, estas perdas são menores. Com o aumento de dispositivos elé­tricos e eletrônicos nos carros, mesmo os 12 V estão se tornando problemáticos em termos de consumo e mesmo de custos da fiação. Assim, a nova geração de automóveis que está por vir já prevê a utilização de baterias de 42 V. Os fios de ligação dos diversos dispositivos podem ser 3,5 vezes mais finos com esta tensão!


Efeitos da corrente
Quando a corrente elétrica atravessa determinados mei­os ela produz efeitos que podem ou não ser aproveitados. 
O principal efeito é a produção de calor, ou efeito térmi­co, também chamado "Efeito Joule" . Para vencer a resis­tência de um meio, a eletricidade faz um esforço que se converte em calor. Este efeito pode ser aproveitado em elementos de aquecimento, como aquecedores, acendedo­res de cigarro, etc. Se o calor for muito intenso, temos também a produção de luz, como no caso das lâmpadas incandescentes. 
Outro efeito importante é o magnético. Quando uma corrente passa através de um condutor, em sua volta apa­rece um campo magnético. Se enrolarmos um fio em for­ma de bobina e fizermos passar uma corrente o campo criado concentra-se e temos um eletro-imã. Podemos a­proveitar este efeito em solenóides, como os usados nas fechaduras elétricas do carro ou em motores como o mo­tor de partida ou o motor do limpador de parabrisas.
Temos também o efeito químico. Quando uma corrente circula através de determinados líquidos ocorrem reações químicas. A carga de uma bateria aproveita este efeito.v
Fontes de energia elétrica (geradores)
Para forçar a corrente através de um circuito e com isso fornecer energia a ele  precisamos de dispositivos que estabeleçam entre dois pólos a pressão elétrica necessária a isso. Estes dispositivos são denominados geradores. Como na natureza não é possível criar energia a partir do nada, estes dispositivos convertem alguma forma de ener­gia em energia elétrica. Temos então os seguintes tipos de geradores: 

Pilhas e baterias 
As pilhas e baterias são geradores químicos de energia elétrica, pois convertem a energia liberada numa reação química em eletricidade. Denominamos baterias a um conjunto de pilhas ou acumuladores. 

Acumuladores
Acumuladores também são geradores químicos de ener­gia elétrica, mas o seu funcionamento é reversível.  A reação libera energia elétrica mas isto pode ser invertido pela passagem de uma corrente que o carrega. As chama­das baterias de carro na verdade são conjunto de acumu­ladores que podem ser recarregados pela corrente gerada pelo dínamo ou alternador. 

Dínamos e alternadores
Os dínamos e alternadores são geradores que convertem energia mecânica, a força do motor, por exemplo, em energia elétrica. Eles consistem em conjuntos de bobinas que criam campos elétricos e através deles a energia é gerada pelo movimento. 

Células solares
As células solares convertem energia luminosa (luz so­lar, por exemplo) em energia elétrica. Consistem em pai­néis de materiais semicondutores como o silício. Seu ren­dimento ainda é muito baixo e elas são caras, o que limita bastante suas aplicações práticas.